Enquadramento e motivação

É hoje um lugar-comum falar da crescente integração económica internacional, assim como da globalização da tecnologia, nomeadamente no que respeita às variadíssimas formas de gestão e transmissão de conhecimento que ocorrem através dos média, ou das múltiplos congressos e encontros técnicos que ocorrem continuamente, ou ainda dos fluxos crescentes de conhecimento que se estabelecem através da internet. No entanto, pouco se tem discutido sobre o efeito destes processos no desenvolvimento inclusivo e endógeno de regiões e países que têm sido tipicamente receptores de novas tecnologias e/ou envolvidos em processos de desenvolvimento.

Em particular, como é que a crescente capacidade científica e académica dessas regiões e países e o consequente conhecimento cada vez mais aprofundado de processos de gestão de tecnologia pode, ou deve, influenciar estratégias de desenvolvimento dessas regiões e de sectores estruturantes e estratégicos à escala global?

Mais especificamente, como é que uma melhor compreensão dos fluxos de conhecimento pode influenciar politicas públicas e estratégias empresariais, assim como a captação do (tão desejado...) financiamento direto estrangeiro e o crescimento da capacidade de exportação? Ou ainda, que tipo de enquadramento institucional deve ser estabelecido para valorizar estratégias pró-ativas de conhecimento e atrair recursos humanos qualificados? Estas questões são particularmente pertinentes para o estado de ansiedade que se vive no mundo de hoje, sobretudo em termos da necessidade de alargar a produção industrial em sectores estruturantes e estratégicos à escala global. Na ultima década têm sido publicados vários estudos e reflexões sobre a necessidade de evoluir de um modelo de desenvolvimento esgotado e assente na utilização extensiva de recursos, para um modelo baseado no conhecimento, na tecnologia e na inovação. Será que a solução está em novos paradigmas de cooperação científica e tecnológica internacional a incentivar através da cooperação académica? ou será através da instalação de grandes empresas multinacionais? Será que novas formas que emergem de cooperação internacional entre universidades e empresas poderão alancar novas formas de desenvolvimento?

Para a analise destas questões, há muito que temos aprendido que os processos de transmissão de conhecimento não são independentes do tipo de tecnologia, nem da forma da sua utilização. Ainda há menos de uma década, Richard Nelson1 nos lembrava mais uma vez que tecnologia não pode ser considerada como um simples conjunto de "blueprints", ou instruções, que produzirão sempre o mesmo resultado qualquer que seja a forma da sua utilização. Pelo contrário, a tecnologia é sensível a circunstâncias físicas e sociais específicas, pelo que o sucesso da sua aplicação requer o desenvolvimento de um conjunto complexo de competências humanas e colectivas2. Adicionalmente, a tecnologia não está acessível a qualquer preço a qualquer empresa, nem sequer a sua eventual seleção implica necessariamente a sua operação eficiente. Consequentemente, a adopção de tecnologias requer um processo complexo de "aprendizagem", que sabemos ir muito para além do simples "aprender a fazer", sobretudo no caso de processos industriais de maior valor acrescentado3.

Este facto tem implicado necessariamente que a globalização não beneficia igualmente todas as regiões e todos os agentes económicos. Em particular a globalização tem afectado os processos de gestão de tecnologia e de transferência de conhecimento de várias formas. Se é verdade que o conhecimento codificado (por exemplo na forma de livros, ou software) é hoje transferido a baixos custos, já a capacidade para a sua utilização depende das competências de cada um, estando particularmente limitada em sociedades com maior taxas de iliteracia. Por outro lado, as formas de conhecimento tácito são menos transferíveis, requerendo importantes processos de interação presencial, pelo que tendem a ocorrer sobretudo em regiões desenvolvidas. Adicionalmente, a capacidade de inovação das empresas reside cada vez menos em processos de produção, estando concentrada sobretudo na geração e valorização de ideias, o que faz que dependa de uma forma crescente de direitos de propriedade intelectual.

Neste contexto, muito tem sido escrito nos últimos anos sobre o crescente desafio de promover a relevância da universidade e de a aproximar das necessidades da sociedade, e vários instrumentos têm sido desenvolvidos para o devido acompanhamento da investigação com aplicação industrial. Mas o estabelecimento de verdadeiras "parcerias para o desenvolvimento científico, tecnológico e a inovação" em sectores fortemente globalizados e dependentes de estratégias de concepção de novos produtos e sistemas, obriga a melhor compreender o papel crítico e estruturante das relações internacionais com empresas líderes nos mercados internacionais e do papel dos vários atores que essas relações exigem. Entre outros aspectos, a análise dos estudos produzidos pela OCDE nesta área evidencia a necessidade de garantir a mobilidade interinstitucional de pessoas, assim como um adequado contexto institucional que facilite a independência das atividades a nível universitário. É de facto num contexto de transformação dos sectores industriais e de crescente diversificação da economia que a gestão de tecnologia e o papel das redes de cooperação científica e tecnológica, sobretudo de âmbito internacional, devem ser analisados, devendo ser notado os seguintes aspectos:
  • a base de conhecimento da quase totalidade dos sectores industriais, incluindo os recursos naturais e os sectores automóvel e aeronáutico tem-se transformado, particularmente durante as duas ultimas décadas, assumindo de uma forma crescente um carácter complexo, para além de distribuído institucionalmente. Esta observação aplica-se a uma gama vasta de sectores, que estão associados de uma forma geral a bases de conhecimento concentradas;

  • Neste contexto, a competitividade da maioria dos sectores industriais reside na capacidade de aceder e usar conhecimento e tecnologias desenvolvido numa gama alargada e diversificada de instituições, que se constituem como bases distribuídas de conhecimento o que requer a existência de infraestruturas capazes de desenvolver uma gama de atividades de interface;

  • A complexidade e diversificação das competências e bases de conhecimento necessárias ao sucesso empresarial está associada à evidência crescente de que não basta considerar investimentos, nomeadamente na forma de compra de equipamento, pois a geração de valor acrescentado requer conhecimento para além daquele incorporado em máquinas;

  • A análise do relacionamento complexo entre inovação e crescimento de produtividade, tem revelado a importância crítica de considerar estratégias industriais e de inovação que valorizem a integração de valor através de atividades de concepção e design, assim como rotinas de penetração em mercados sofisticados;


1 - Nelson, R. (2004), "The market economy, and the scientific commons ", Research Policy, 33(3), pp. 455-471.

2 - P. Conceição, M. V. Heitor, (2005), Innovation for All? Learning from the Portuguese path to technical change and the dynamics of innovation. Westport and London: Praeger.

3 - Conceição, P. and Heitor, M. (2003). "Techno-economic Paradigms and Latecomer Industrialization" in UNESCO Encyclopedia of Life Support Systems (EOLSS), Eolss Publishers, Oxford, UK